sábado, 26 de novembro de 2011

Entre as mães da UTI Neonatal do Hospital de Clinicas da UFPR

Eram 3 e meia da tarde do dia 24 de novembro quando entrei naquela sala.
Reunidas, pouco mais de uma dezena de mães, uma delas acompanhada do esposo, aguardavam o inicio da reunião semanal.
A palavra me foi oferecida pela Palmira, Assisente Social que criou e coordena aquele trabalho há mais de 15 anos no HC.
Saudei aquelas belas mulheres e suas histórias impares e inimitaveis de maternidade incomum.
Através de fotos e legendas, aos poucos começamos o encontro conhecendo o filho que queriamos ter.
Um bebe forte, capaz de amar, de ser amado pelos que ama, que fosse delicado e capaz de fazer amigos, um bebe capaz de crescer, enfrentar a dor, superar dificuldades, resistir, e ser enfim um bebe campeão.
As legendas iam mostrando, durante nossa fala, bebes saudáveis e imagens leves...
E num determinado momento aquela sequencia de belas imagens fez uma pausa e foi substituida por fotos de bebes de UTI.
Vitimados por eventos adversos, surgiam em nossa frente envolvidos por tubos, conexões, oxigenios, alarmes e incubadoras.
Longe da familia e do cuidado materno, a sequencia de fotos, sem legendas, descrevia o calvário percorrido por aqueles bebês de UTI.
Sem legendas, uma serie de bebes banhados à dor...
Silencio geral.
As fotos sem legendas remetiam cada uma daquelas mães à história de seus próprios filhos, de suas próprias vidas.
E o inesperado aconteceu.
Como se intencionassem nos dizer algo, estes bebês de UTI continuaram desfilando em nossa frente, mas dessa vez apresentados sob as mesmas legendas que ilustraram aquela primeira serie de bebês graciosos e saudáveis. Legendas que nos remetiam a um bebe forte, capaz de amar, de ser amado pelos que ama, um bebe delicado e capaz de fazer amigos, um bebe capaz de crescer, enfrentar a dor, superar dificuldades, resistir, e ser enfim um bebe campeão.
E a cada imagem legendada desses bebes de UTI, iamos perguntando àquelas mães: algum de nós duvida que esse bebe é um bebe forte? capaz de amar? de ser amado pelos que ama?
Algum de nós discorda que esses bebes sejam delicados? Capazes de fazer amigos? Capazes de crescer, enfrentar a dor, superar dificuldades?
Alguem discorda que nosso bebe seja um bebe campeão?
Diante da concordancia geral, concluimos juntos que o bebe que a gente queria ter era exatamente o mesmo bebe que recebemos.
Escrito em outro idioma, mas o mesmo bebe.
Dono das mesmas caracteristicas, merecedor das mesmas legendas.
E todas concordaram.
Pareciamos estar descobrindo através de nós mesmos, a grandeza de nossos filhos.
Serenidade e leveza tomaram nossos corações.
Nesse momento, oferecemos a cada uma delas papel de carta e canetas coloridas e pedimos para que cada uma delas escrevesse uma carta para seu filho.
Uma carta que seria guardada num lindo envelopinho vermelho e endereçada a seus filhos em letras douradas para que eles recebessem aquele carinho nascido desse encontro.
Silencio.
Respeito.
Calmamente as mães presentes começaram a escrever para eles, seus campeõezinhos...
Indescritiveis e indecifraveis foram aqueles minutos.
Que mágica teria a capacidade de mensurar o volume de amor que circulou ali naquele instante, depositado naquelas páginas em forma de delicada missiva?
Aos poucos as mãezinhas foram se aproximando trazendo suas cartas já escritas que eram envelopadas e endereçadas a seus bebezinhos...
Passados alguns minutos, uma delas permaneceu escrevendo...
Os minutos se seguiam e a carta continuou sendo escrita.
Silencio.
Minutos, minutos e a caneta ainda buscando palavras e as derramando no papel.
Alguns tempo mais e ela se aproximou com 2 cartinhas na mão.
Surpreso, exclamei: são 2? Ah... Hoje mesmo serão entregues a seus filhinhos: João e Davi.
Ela, chorando, respondeu: o Davi não vai receber a dele nunca...
Davi, gemeo de João, viveu por 7 dias, e já não se encontrava entre nós.
Mais uma vez silencio geral.
E eu completei para aquele coração materno: o Davi, amiga, não é porque viveu por 7 dias entre nós que merece menos respeito e menos carinho que nós outros que ainda estamos por aqui. Eu perdi meu pai há quase 20 anos e ainda escrevo pra ele. Davi viveu entre a gente por 20 dias. Davi será sempre o nome de um Gigante.
Sem que pudessemos imaginar ou prever, o inesperado nos surpreendeu.
Perder um filho numa UTI equilibrando o luto pelo que se foi com a esperança pelo que permanece.
Emocionada, a mãe do João e o Davi enxugou suas lágrimas e deixou revelar sua delicadeza e sua força.
Foi um desfecho absolutamente transbordante de amor e vida para aquela reunião de mulheres maravilhosas.
Tomei pela mão as que se aproximaram e me despedi com um beijo.
Foi uma tarde que não se repetirá.
Ao pequeno Davi, à seus queridos pais, a todos os pais e cuidadores presentes naquela tarde inominada, meu coração, meu carinho, minha oração.

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