sábado, 15 de setembro de 2018

O leite materno não é o mesmo

Para Dalton e Rose, por ocasião de sua visita a Campos em 12 de setembro de 2018

O leite materno não é o mesmo.
Decorridos os dez primeiros minutos da mamada, ele já é outro.
Da mesma forma não é o mesmo depois de uma semana do que ele era nas primeiras horas de vida, e após a segunda semana também não é o mesmo que foi no quinto dia.
Entre as mães prematuras, não é o mesmo que é na mãe de 28 semanas do que é na mãe de 34.
O leite materno não é o mesmo na mãe medicada que é na mãe sem uso de medicamento algum.
O das mães vegetarianas não é o mesmo daquele das mães que adoram um churrasco.
Não é o mesmo nas mães senegalesas que é nas russas, nem nas brasileiras nordestinas que é nas mães quase compatriotas do alentejo.
O que habita a mãe apoiada não é o mesmo que existe na mãe despedaçada, na abandonada ou na mãe mergulhada em despreparo ou dor.
O leite materno da mãe resfriada não é o mesmo que há na mãe saudável, nem é o mesmo o leite das mães de colonias de pescadores e o leite das mães dos pampas gaúchos.
Não é o mesmo o leite após o quinto mes de amamentação, após o quinto filho, após o quinto copo de cerveja, a quinta hora de sono ou o quinto gol da Alemanha contra o Brasil.
O leite materno não se repete nunca. Nunca é o mesmo entre uma mãe e outra. Nunca é o mesmo entre momentos diferentes de uma mesma mãe.
Não é o mesmo na dor o que é na alegria.
Não é o mesmo na guerra o que é na paz.
Na ditadura, nos estados de exceção, na opressão do jugo armado não é o mesmo que é no estado democrático de direito.
Não é o mesmo num presidio o que é numa praça publica, num Banco de Leite ou numa UTI Neonatal.
Quase como uma representação arquetípica de um camaleão, por tão diverso que é, tão sem replica, unico a cada instante, as vezes me pergunto por que motivo damos a todas as suas configurações o mesmo nome comum de leite materno.
Talvez porque, como mães que igualmente nunca se repetem, não se conheça nada nessa vida tão completo, absoluto e mágico e tão exageradamente farto de poder.
O leite materno, que não se repete e que nunca é o mesmo, é o pedacinho que nos é dado conhecer da quase indecifrável poesia de Deus.