domingo, 27 de maio de 2018

Carta à uma mãe de UTI

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Tornar-se mãe de UTI não é desejo para nenhuma mãe. Muito menos opção. Sabe aquele momento em que a sua única opção é ser forte? Então, o momento é esse. Esqueça a fragilidade do resguardo, dos sentimentos delicados, da calmaria do pós parto com um bebê nos braços e a curtição dos primeiros momentos. Sua vida será invadida por medo, insegurança, dor, desespero... e você ainda terá que ser forte.
E assim me vi ali, dentro de uma UTI. Os pontos ainda ardiam mas eu não me permitia ficar deitada, queria vê-la. Minha filha. Nasceu e foi para uma UTI, me trouxeram registro de um bebê de um pouco mais de 500 gramas e a observação: é muito pequena. E eu, na minha mente e na minha mas pura inocência pensando, tudo bem, já brinquei com  bonecas pequenas quando era criança, vou aprender a cuidar dela. E assim, a pequenos passos fui vê-la, e quanto mais me aproximava da incubadora, menos via. Cadê ela?
Ela não era miúda. Era minúscula, numa indescritiva proporção de tamanho para a minha imaginação do que seria um bebê. E não era só isso. Tinha fios e tubos por todo o seu corpo, sua pele era estranha e eu recebia a informação da pediatra: Sua filha é um bebê grave. Gravíssima. Parece que o chão se abre e você cai num abismo sem ter onde se segurar. E ali você tem q descobrir onde encontrar sua força, pois na sua frente tem um bebê que precisa disso para sobreviver.
Os dias passam a ser cada vez mais longos. E sim, você vai querer ir ao lugar que mais te trará dor, todos os dias, pelo simples fato de lá se encontrar a fonte de todo amor que pode caber no seu peito. Serão dias terríveis, mediados por dias horríveis e às vezes alguns dias melhores. Mas ainda assim você encontrará resquícios de alegria por entre toda essa dor. Às vezes em algum sinal de melhora, às vezes por um rápido sorriso. Mas acredite, você encontrará.
Foram 163 dias de ventilação mecânica. Então, tem essa parte que você passa a aprender todos esses termos técnicos e passa a perguntar por eles. E tem a parte que você tem que aprender que terão dias de pioras. Terá a parte de você sofrer com a dor de outras mães. Mas com isso você também vai aprender a dar mais valor a pequenas coisas do dia-a-dia. A vida ganhará novo significado.
Passei 231 dias ao lado da minha filha em uma UTI Neonatal. 231 Longos dias. Saí com minha filha nos braços. Saí numa correria esfuziante como se tivesse deixado pra tras todos os problemas que poderiam existir. Mas uma mãe de UTI não deixa de ser mãe de UTI na alta. Você continua sendo mãe de UTI nas muitas consultas que virão pela frente, nos muitos especialistas que terá que procurar, e sim, ainda terão ocorrências pela frente. Com a diferença que você está em casa, sozinha com sua filha, e terá que correr com ela nos braços a procura de socorro.
Se valeu a pena? Bom, lembra que não é uma opção? Ai que entra a força, aquela que te fará lutar por cada segundo de felicidade que poderá proporcionar a sua pequena. E ai você vai ver que os pequenos momentos se agigantam numa imensidão que posso te dizer com toda certeza: Vai valer a pena! Tudo! E sua alma nunca mais será pequena.
E após 4 anos fico novamente grávida. Entrei sim em desespero no primeiro momento. Me cuidei de todas as maneiras possíveis para fugir dos dias de UTI. Fugi, fugi, fugi... E novamente fui mãe prematura. Quando me encontrei novamente na porta da UTI para ver minha segunda filha, desabei. Não quis entrar, senti novamente toda dor daqueles dias, toda junta, atrás de uma porta a qual eu tinha que abrir pois atrás dela havia outra pequenina a minha espera. Minha filha. Não consegui abri. Voltei para o quarto, esperando a força vir, pois ali naquele momento eu a tinha perdido. A força não vem o tempo todo. E você vai descobri o verdadeiro significado da palavra fé!
Voltei até lá e entrei. Entrei e chorei. Porque vi outra pequenina, tão frágil. Já perguntei por ela com o conhecimento do que era todos esses tubos e fios ligados a seu corpo. E voltei ao dia-a-dia cuidar, rezar, amar. Mas dessa vez não à espera desesperada da alta, pois já sabia que a alta é apenas mais um passo. Só queria que tudo ficasse bem.
46 dias depois saio novamente de uma UTI. Agora com reforço, pois levei minha mais velha para busca-la. Não é fácil. Mas tê-las nos braços me faz forte. E sei que meu braço as faz forte. Você vai perceber isso. Que você faz seu filho forte quando o aconchega nos seus braços. E no final é só isso que mãe e filho precisam.

Lívia Ressiguier
Mãe de Aymee e Paolla